terça-feira, 4 de março de 2008

alter-eros

 

O amor que acaba é uma ilusão
e uma ilusão deve morrer"
(Paulinho da Viola)



I

Peço licença, oh Musa,
para falar de anos
que não passaram
de fontes que não verteram
de vísceras que não se esparramaram
de fibras que não se dilaceraram
de músculos que não se retesaram
de frase que jamais foram ditas,
ou escritas, ou citadas...

Peço licença, oh Musa,
para, hoje, ser um pouco menos teu.
Para abrir passagem
em bosques
sem dragões, nem princesas...
nem névoas
em suas clareiras
em suas fontes.
Nenhuma fada nua
envolta em gases inebriantes.
Sem carícias pressentidas ao acaso.
Sem sensações premeditadas,
nem intenções veladamente obscenas
guardadas nos alforjes da jornada.

II

Acordar,
não do sonho preservado,
não das névoas que admitem a carne,
não do toque dos pelos notívagos
a conduzir a sina por caminhos pélvicos.
Aprofundar-se, sim, nas cicatrizes
de uma manhã descoberta.
Amanhecer nas malhas
e encontrar, ao lado,
insofismável,
a pretensão estendida.


As brumas noturnas
circunavegadas
em torno do mesmo tema
da manhã anunciada.
A magia reconhecida
ao toque da consistência.
Despertar trazendo o perfume
de uma viagem noturna
e encontrar vestígios
de um gozo completo
nos interstícios da carne.

III

Não,
como é frustrante
o descortinar dos raios
sobre uma alcova
imersa em devaneios,
e, ao lado,
junto ao desejo partido,
inconfessado sentido,
não observar
a química da revelação
materializada.

IV

Sensações ambíguas
na polivalência da rede
que balança no alpendre.
O ir e vir.
A ansiedade do porvir.
A efetiva sombra
projetada
no despretensioso sol
de uma tarde morta.
O apanhado de carne,
sobras do almoço.
As moscas que beliscam e ,
superficialmente incômodas,
remexem nas frestas
abertas de uma ferida.
As frieiras do falso vento,
o avançado da idade
no refúgio do inútil.


V

Lento progredir
da maratona insana.
Vida vivida a esmo
percolada de estio.
Luminosidades refletidas
nas saliências dos cantos.
As equimoses do tempo
nos resvalos
impercebidos nas quinas.
Não,
o amargor sentido
de dentro da saliva.
A pele misturada
na ardência dos ácidos.
A perpétua e obstinada
prepotência do inevitável ocaso.
A ridicularização dos ícones
a representar falácias.
Regras inadmitidas,
frascos de inconsistência
a revelar nos pelos
a sensibilidade dos insetos.

VI

Aquela lembrança noturna
percebida dentro do sono.
A definida figura, clara,
a conduzir o espectro
de alguma inacessibilidade.
O lento solavanco
dos dormentes do tempo,
onde cada momento,
esvaído do nada,
purga nas chagas
da tarde dos incestos.


Aquela jovem visitada
e que de nada se apercebe.
O erotismo de ser
simplesmente um suspiro.
A vetusta fonte
de entranhas águas.
Profundez de vales.
Reprodução de fatos.
Melódica inacabada.
Contínuo interrompido.
Sinfonia deletada.
Profanação e carnes imoladas.

 


 

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