sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Aqui e agora

Do tempo que eu me lembrava,
já me esqueci.
Mas às vezes lembro um verso dos Stones
a martelar a alma numa calma noite de inverno.

Eu não lembro mais.
Disse um rock'n'roll, que é quase um delírio,
não há mais prazer
e que tentei, tentei, tentei.

Os versos que escrevo são rock'n'roll.
Falam do agora, porque minha memória
é volátil e eu não me lembro mais
quem é você.

Havia uma canção pronta para ti,
mas eu esqueci.
Fala-me apenas do agora,
pois já não sei o aqui.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Quando se caminha pelo fim da estrada,
o caminho é mais estreito,
as pedras são mais afiadas,
e os espinhos das bordas
mais doloridos.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Casa de Bonecas sem Face








Acordo de meu sonho!
Olho pela janela e os horizontes se desestruturam.
A paisagem se deteriora e dissolve-se o céu laranja.
Não é um apocalipse.
São ideias de morte em minhas ilusões mais queridas
e que entornam o frasco de veneno,
sobre o tecido amarelo do sofá da sala.

Não, não são verdades!
São belezas que eu menti pra mim
e o dia conspirou para derrubar os cenários.
E invadir de um amargor cotidiano
a turbidez da casa de bonecas sem face.

Respiro o ocre que restou do apartamento.
Exponho as vísceras da agonia de meu desapego.
Sobra-me o desespero.
E cada vez mais sombrio transcorre
o meu dia, onde a luz surtou
e enxovalhou meus agasalhos
de uma baba de louca.
Restou uma vertigem fúnebre
e um enjoo da verdade óbvia.




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Quietude



O coração está quieto demais.
Tudo ficou dentro do costume.
E o ser que somos não se admite
calado em meros costumes.

Ao negar a busca de 
um amor vestido de eterno,
submetemo-nos e nos capitulamos
prisioneiros de uma desesperança.

Mas a alma não se aprisiona.
E não se aceita em exílio,
mesmo que voluntário,
assiste a cena e observa
a inquietude sem meias palavras,
indizíveis palavras.


sábado, 23 de junho de 2012

Os Super-Alunos

Ao longo de minha vivência de magistério eventualmente apareciam, em salas de aula, um ou dois alunos que superavam a média da turma por diversas razões: 1) porque dispunham de uma inteligência excepcional que os diferenciavam da média; 2) porque já tinham tido, anteriormente, experiências de aprendizagem com relação ao conteúdo que estava sendo ministrado; 3) porque tinham facilidade de absorver e explicitar seu parecer (inclusive crítico) com relação ao que estava sendo ministrado. Isso entre outras razões ainda mais complexas.

Creio que o surgimento desses alunos acima da média sempre são um desafio para o professor. Porque muitas vezes eles serão instigadores, questionadores e, muitas vezes, transgressores do ambiente médio da turma. O professor deve engessá-los ao padrão médio da turma? Não, no meu ponto de vista. O papel do professor deve ser sempre o de abrir portas para seus alunos e jamais tentar "mediocrizá-los" ao padrão médio da turma. Engessar o aluno excepcional é uma violência autoritária! Deve-se propiciar a esses alunos a possibilidade de transcendência. Sim! porque eles sempre têm o que aprender, assim como o professor ao lidar com eles.

Com a chegada dos alunos das chamadas gerações X, Y (e a Z que vem vindo aí) às salas de aula do ensino superior e de pós-graduação, acredito que o número desses alunos excepcionais. por sala de aula, já começou a crescer. E, para a complexidade do ensino, cada um tem particularidades e excepcionalidades diferentes. Colocando-se, assim, um desafio ainda maior ao professor para tratar dessa diversidade de super-inteligências, que muitas vezes têm um conhecimento do conteúdo maior que o do próprio professor.

O Professor-Tutor

"Claude Frasson: O professor é designado como um co-aprendiz. Isso porque ninguém tem o conhecimento. O conhecimento existe e precisa ser construído individualmente. É o aluno quem constrói o próprio conhecimento. O professor recebe essa denominação dentro desse contexto porque ele está o tempo todo aprendendo com seus alunos."

Vejo que cada vez mais o professor-tutor como sendo um participante do processo, ao ponto de me questionar: até que ponto é necessário e importante que o professor, enquanto tutor, detenha o conhecimento a priori da matéria que está sendo ministrada? Haverá um tempo em que a interação e a gestão do processo de interação coletiva tornar-se-á uma habilidade cada vez mais específica. E esta habilidade de tutoria será tão ou mais importante que o prévio conhecimento do professor-tutor com relação ao conteúdo do curso que se está tutorando.

Afinal, aprendermos segundo o "estar junto virtual", que o Prof. José Armando Valente se refere é uma evolução permanente. E chegará a um ponto que em que o "estar junto" será tão demandado como habilidade de conduzir, que o professor-tutor entrará em um curso na mesma situação dos alunos em relação ao conhecimento a ser aprendido, de modo a "aprender junto" de uma forma mais efetiva. E colocar-se, assim, mais próximo dos alunos.

Aí o planejamento do curso, especialmente o processo autoral, toma uma dimensão de guiar. O professor-autor - este sim, o detentor do saber iniciático - desenhará um caminho a ser percorrido. E caberá ao professor-tutor gerenciar o processo de desenvolvimento coletivo da reconstrução do saber... E transgredir, junto com os alunos, o caminho do conhecimento inicialmente traçado de modo a percorrer o processo para a reconstrução coletiva do saber-autoral para um saber qualitativamente transcendente.

Estaríamos, assim, tornando numa prática a inteligência coletiva, que Pierre Lévy gosta tanto de mencionar e que foi título de um de seus livros.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sou um homem que procura.
Procuro porque procuro,
numa busca constante
de procurar.

Eu busco quando passo as tardes
resolvendo quebra-cabeças,
jogando comigo mesmo,
sem ter motivo de busca.

Eu procuro quando busco.
Eu procuro.
Eu procuro chaves
de questões que não existem.

O tempo passa na minha procura.
Escoa enquanto,
insano no meu torpor,
um tempo sem perguntas
e, portanto, sem respostas.

Apenas uma busca,
diária e contínua,
a busca da minha busca.

terça-feira, 10 de abril de 2012

limites

estender o olhar para além do que se pode ver
e sentir a presença de meu próprio ser
além dos limites que constroem o cotidiano

ser além do ser de sempre
pode ser a busca de si que transcende
o lugar onde se mora

uma canção que se estende além de mim
meu corpo deitado sem forças
mas com o desejo de ir pra lá

uma visão que chega ao impensável
uma correspondência de afeto longínquo
um ser além de si mesmo que se defenestra

além da angústia do cotidiano
sem esperança de ter um após
ou uma possível ressurreição de si

terça-feira, 27 de março de 2012

Sobre a Dor

Às vezes eu fico pensando sobre a dor. Eu não sou cara de fugir da dor, mesmo porque não adianta, quando ela veio foi inevitável. Também não a procuro, mas às vezes a pressinto ao longe, como se fosse dona de uma espera paciente.

Por ter vivido intensamente dores profundas, talvez eu saiba viver profundamente, também, as minhas alegrias de leveza e alguns prazeres rasgados. Não posso me queixar da vida e nem mais rasgar as vestes. Não me queixo da vida porque a vida é, antes de tudo soberana. Deve ser reverenciada como parte do sublime mistério do ser.

Hoje eu não quero falar de alegrias, nem de viscerais prazeres. Eu - hoje, só hoje - estou achando uma extrema tolice máximas que dizem que a felicidade começa dentro de si mesmo. Isso poderia ser verdade em universos perfeitamente egocêntricos. Eu não sou eu mesmo. Eu apenas sou quando sou no mundo. O mundo não muda dentro de nós. O mundo interage com o ser e o se se transforma só quando em contato com o mundo. E o mundo não pode estar dentro de nós.

Nesse estado de consciência eu percebo que a sensibilidade para com o outro está muito relacionada com a nossa vivência da dor. Escute o Canto Triste (Edu Lobo - Vinicius) e perceba como transborda uma amargura que não pode ser mensurada. Descreve toda a distância que existe na morte e a saudade de um amor que persiste, infinito. Não é uma tristeza vã, nem um culto à dor. É um reconhecimento da extrema fragilidade humana frente ao infinito. Ouça Pra Dizer Adeus (Edu Lobo - Torquato Neto) e deixe-se envolver por uma despedida sofrida, mas conscientemente necessária. E ainda há isso aqui para informar que há dores que são mais que inclementes. Dores que são insuperáveis.

Não, não é um culto à dor. É um profundo respeito. Um respeito que é quase uma oração ao cotidiano daqueles que sofrem. Não, não é uma busca de cumplicidade na dor. É uma empatia com vontade de ser bálsamo de silêncio. Porque a dor maior é a dor silenciosa. A dor que não sai no jornal.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Noturno Negro

Esta minha memória
vaga
nebulosa
remonta resquícios de ser
histórias
vultos
Essências de outros
mortos
fantasmas
Encontros deixados de lado
espirais
confusões

Meu pensamento
uma viagem sem bagagem
a percorrer trilhos
a estacionar em gares
pontos de parada
reflexivas pontes
travessias no tempo
do tempo
do longe
do longo
ao longo
de um percurso sem fim.

Minha pequena tristeza
esquecida
colocada de lado
Deitada em uma estação do tempo
num momento há tempo
meus devaneios
minha sensação de presença
omissões de existência
fugas de perspectivas
geometrias
espaços
vazios

É lá que vou todas as noites
E percorro esses caminhos
de uma cidade
que não me lembro
e que
no entanto
pareço saber todos caminhos
atalhos
ruelas

Cenas de filmes antigos
mal absorvidos
cenas fugazes
incompreendidas
que retornam
e ali estou eu
vagando nesses cenários
em ilusões
que um dia foram minhas
e agora desintegram-se
e desvultuam-se
em minha velhice
e no meu contar
noturno
solene
das horas

E a sensação de cansaço
na mente
não passa
E a culpa de viver
permanece

É assim que me encontro
nessas madrugadas
insones
a buscar algo
improvável
inefável
na escuridão da sala
na penumbra da alma
vadia que vaga
sempre ao léu

E se durmo
é como se obtivesse
um passaporte
para um país
tão íntimo
tão distante
inalcançável
quando desperto

Mas que sei que
é para lá
que estou indo
já a caminho
cada dia
cada hora

Há uma cidade
a ser visitada e
um dia desses será.

quinta-feira, 1 de março de 2012

quem sou eu que ora te fala?
quem sou?
há um viés que não sabe de quem
emergem tais palavras
como num sonho
elas brotam e se juntam
formando uma estrutura lógica
se misturam e denotam
uma lucidez estrangeira

numa construção paulatina
os pensares se ligam
num parecer de síntese
uma ideia emergente
da edificação que se permeia
onde as palavras se montam
numa alvenaria concreta
e se projetam
para fora do edifício
em metafísica

e esta lógica que sobressai
e se incorpora às teias
de teus nervos elétricos
formam em ti um sentido
que se revela próprio
e já não subsiste por si só
pois agora impregna-se de ti
vestido de memória aberta
ao universo

[CAlex Fagundes]

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Duração

O tempo se esvai.
Como se estivesse deitado
e escorresse, líquido,
pelas frestas e entre portas
de meu quarto metafísico.

A duração palpita.
Escombros de memória
esbarram entre si
na fluidez do pensamento.

Como se num coma,
fragmentos de ser
embatem entre si,
numa disputa épica
para dizer 'eu sou'.

Não há mais encanto,
senão o próprio encanto
de acompanhar o vagar
as batidas insistentes
do relógio interno.

Claudio CAlex Fagundes, 2012