quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Chet Baker não lia música




Chet Baker não lia música.
(Não esqueça disso!)
Porque nele havia realidade.
Para o talento basta a simplicidade.

Hoje ouço um Chet póstumo
depois de uma vida em queda
que terminou definitiva em Amsterdã.
Pensei que Chet lesse música.

- Que tolice pensar que este pequeno
detalhe acadêmico fosse tão obrigatório!

Percebi meu engano ao ler o que Herbie
Hancock dizia em encarte de um disco de Chet.

Enquanto houver talento, há surpresa.
E talento não se aprende
o que se aprende são os meios
e os meios são a estrada.

De que serve a estrada
para quem já chegou?





por Claudio Fagundes


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

sobre a vida

 


gosto especialmente
desse indizer sobre a vida.


a busca ontológica de um ser
inexistente
criado
enviscerado


a vida
que o limita
 


 





por Claudio Fagundes


 


 

a vida e o sonho




aquieta-te, moça linda
que a vida é necessária
com dores e tristezas
com durezas e amarguras
e temos que viver
temos que cuidar
de nossos filhos
de nossa fome
de nossa sede
até de nossas
ânsias e desejos

permanecemos assim
distantes
cuidando da vida
cumprindo a realidade
de cada um

entretanto
é preciso que saibas
a semente que brotou
ainda floresce
que teu canto
vem até aqui direto
e me agasalha terno
com sua suavidade

agasalha-me
com o teu abraço pequeno
com tuas mãos que me tocam
como em uma dança descalça
que inebria meus olhos
e me faz mergulhar
num sonho de presença

e não
não é o sonho puro
dos poetas que inventam
é um sonho de desejo



por Claudio Fagundes





quinta-feira, 5 de novembro de 2009

As palavras

 


As palavras
devem ser ditas
para a compreensão
suave
leve
simples

Ofertadas
como água
de uma fonte
cristalina

por Claudio Fagundes

domingo, 1 de novembro de 2009

A Thought of Paradise (Claudio Fagundes)



br>

agonia

 


O tempo não tem tempo

para quem está morrendo.


 


 

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

o tempo




há uma dor invisível
que me abate
que rouba meu dia
que deita ao meu lado

no espelho parece querer
falar sobre o tempo
e aponta para um vulto
um fantasma à porta

na sala eu espero que o dia
ofereça um motivo
uma última instância
um desejo perdido

é tudo ilusão de percurso
são cenas perdidas
de filmes banais
sempre repetidos

o tempo que escoa
o ser que reluta
em aceitar o real
que está sempre tão perto



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por Claudio Fagundes (CAlex)


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

sábado, 17 de outubro de 2009

quando vieres


quando vieres
podes vir do jeito que tu és
não precisas adentrar em minha vida
nem nua, nem estrela, nem lua
que eu te quero tua

venha como estás
com a roupa do corpo
tua bagagem de histórias
glórias ou inglórias
teu jeito pronto
de simplesmente ser

assim, podes abrir minhas portas
que elas estão entreabertas
e eu quero viver os teus sonhos
teus encantos e desencantos
desde que sejas tua
podes vir sem medo
 


por Claudio Fagundes

sábado, 10 de outubro de 2009

verdades e mentiras





No mundo virtual, a mentira requer uma construção paralela muito fácil de ser derrubada. Há com certeza os arquitetos da ilusão, mas é difícil manter a coerência, quando é fácil ir lá atrás e recuperar a trama e descobrir inconsistências de discurso.

É muito mais fácil mentir com as palavras ao vivo, onde se dispóe o recurso do gestual cênico. Como um imenso palco onde se representa a cênica de convencimento. E a memória é incompleta e irrecuperável para revisar os atos e suas coerências.




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por Claudio Fagundes (CAlex)


sexta-feira, 9 de outubro de 2009

[quando te vejo]





quando te vejo
te sinto
e a poesia calada
liberta suas asas
e se espalha
pelo infinito
como sementes
de ser
transbordado
que sou




----------------------------------------------
por Claudio Fagundes (CAlex)


sexta-feira, 11 de setembro de 2009

domingo, 6 de setembro de 2009

viver




Estou cansado das pessoas, de suas relações frias, das representações cotidianas e das belezas temporárias que não chegam a se mostrar verdadeiras. Estou cansado de viver essa vida efêmera de falsos beijos no rosto, de sorrisos e semblantes desmagnetizados de espírito.

Estou cansado de amores e amizades que se terminam em um dia ruim e sequer há espaço para um perdão. Em deslizes que se transformam em pecados irrevogáveis no qual sequer se merece uma trégua para um abraço. Desta falta de compreensão, deste mergulho em tristezas que não sabe ao menos se transformar em alguma espécie de solidariedade.

Estou cansado das pessoas e suas convicções, aquele orgulho e certeza de estar certo. Essa falta de humildade perante o universo, essa falta de trégua para enxergar a beleza das pequenas coisas. Eu sinto falta de pessoas menos mentais e mais verdadeiras, que não montam a sua caraça em cima de pensamentos que nada mais são que construções sobre os nossos pequenos delírios cotidianos.

Sim, eu sinto pena de mim, às vezes, por dedicar um carinho por anos a fio, diariamente, por tentar construir uma relação de afeto e atenção. Eu fico para morrer quando uma pessoa que eu amo, simplesmente vira as costas sem sequer dizer adeus.

Mas eu estou errado de ser tão humano. Eu deveria seguir os paradigmas daqueles que acreditam em deuses e caminhos retos a seguir. Mas eu sou humano e não me perdôo pelos meus erros e pelas minhas pequenas crenças em mudanças e paixões; alegrias e sentimentos; em amizades e amores; em transformações e num alvorecer que acontece todos os dias, toda a hora, todo momento.


por Claudio Fagundes (CAlex)


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Episodic (2009)


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Vazio

Não sei explicar como os encontros acontecem, nem por que acontecem. Simplesmente um pequeno detalhe, ínfima coincidência, e então acontece. Não há nenhuma lógica nisso. Não é vulgar, não é eterno, mas agora parece perene.

O que veio depois do encontro é o que determina a perenitude. Foi quando os laços se aprofundaram e se misturaram em uma teia de idéias entrelaçadas.

Foi assim que aconteceu. O encontro tornou-se um hábito e o hábito o alimento do cotidiano. Dentro de uma solidão desejada – e até provocada – conspirou-se uma cumplicidade de idéias que foi me tomando por completo, até mesmo no mundo das sensações.

A tua voz, ah a tua voz! Tua língua rápida e ferina, se mexendo na boca. Os teus olhos, eles não param quietos, mexem-se com destreza e, de repente, pousam nos meus. Teus braços esguios que gesticulam endossando a palavra. Tua elegância por natureza.



por Claudio Fagundes (CAlex)

sábado, 29 de agosto de 2009

à moça que passa




a ti
que não me conheces
que nem reparaste
nos olhos que te viram
e percorreram teu semblante
deitaram-se em teu sorriso
nos teus lábios

tu que vinhas lenta
na calçada em frente
à minha janela
eu te trouxe para tão perto
que meus dedos te alcançaram
e percorreram tua face
como uma escultura de arte
que desejamos tatear
para sentir o contorno
e trazer mais para perto
quem sabe internalizar

eu vi
teus olhos transparentes
aproximando os caminhos
por onde teu corpo esguio
em seguida trespassará

desejei te trazer para perto
para te ver todo dia
e alegrar minha vida
embriagar-me de beleza
durante todos dias

mas não
deixei-te ir em silêncio
não irrompi na tua frente
com explicações de devir

fiquei
permaneci embebido
de uma magia solene
embriagado de ti
da tua magia
da tua beleza
de andar macio





por Claudio Fagundes (CAlex)


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

rumores do silêncio




onde foi que guardaste
os momentos em que
deitava sobre ti
a ternura de meus lábios

o tempo revelou o silêncio
a solidão das palavras
presas entre dentes
nas unhas sujas de tinta
e de suor de sangue

comprometi-me a dizer
algumas palavras doces
de carinho desinteressado
mas elas se diluíram
no frenesi dos ventos
e os desejos se foram
escoando pelo ralo

a fumaça de teu cigarro
invadiu meu quarto
me engasgou na névoa
daquela noite insone
e nem o alvorecer
clareou o torpor
da mente submersa
no ardor das ânsias

o dia clareou
em tua nudez mais íntima
vasculhou das gavetas
histórias mal contadas
mal vividas, desleixadas
no percorrer das horas

e meu olhar te conteve
enquanto eu te pensava
e bebia teu ressonar

e permaneci ali
perscrutando o tempo
enquanto te perdia
na sonoridade da rua

onde os transeuntes
carregam suas dívidas
tais credores do absurdo
em suas vidas inertes
transitam na cidade

e então eu te vi
pela janela da sala
caminhando lá fora
o seu dia comum de sentido
do nada que te impulsiona

te vi percolando camadas
com passos que não soam
com voz que não fala
é apenas a cidade que te leva
são os rumores do silêncio
só o que se escuta agora





por Claudio Fagundes (CAlex)


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

amor e escravidão




como diz Apolinaire em seu belíssimo poema Le Pont Mirabeau
"passam os dias, passam as horas,amores se vão e eu permaneço"

amor não é para sofrer, não é para escravizar
amores acontecem a cada hora e a gente nem vê

a gente se escraviza em nossa obsessão
um olha único para uma miragem criada
e sofre porque a realidade não obedece ao delírio





por Claudio Fagundes (CAlex)


terça-feira, 4 de agosto de 2009

janela de chuva





se você nem faz questão de viver
e dá a vida já por vencida
que mais posso te dizer eu?
eu que lamento tanto
tempos e vidas
que passaram por mim
você será apenas
uma vida mais
que irei lamentar

os dias passam
pela minha velhice
atravessam a solidão
eu olho através da vidraça
eu vejo as pessoas sem rosto
murmurando entre dentes
a canção do silêncio
apenas um rosto a mais
que irei lamentar

sentado no meu carro
a chuva bate triste no pára-brisa
eu escuto uma canção antiga
e espero o sinal abrir
eu olho os carros do lado
com aqueles vidros sem rosto
acelero e sinto o motor
empurrar minha vida pra frente

se hoje estou mais triste
que ontem isso é normal
cada dia que passa
fico mais certo
que meus sonhos se foram
em que as coisas pequenas
deixadas de lado
foram as únicas verdades
que resistiram ao tempo
e que ficaram

e hoje eu sei que tudo passa
e que não ficou nada daquilo
que um dia chamei de ser feliz
os dias ficam cada vez mais difíceis
as horas gotejam sangue
e lá fora só restou a vontade
de ir e encontrar contigo
e hoje não te vejo na distância
eu me perdi no emaranhado
do resto de minha vida.





canção de inverno




O sol voltou a São Paulo, mas permanece um frio gelado cortando os músculos e endurecendo os nervos. O dia está bonito lá fora, a cidade volta ao seu ritmo febril das pessoas apressadas, mal humoradas com as contas a pagar e sem vontade de viver.

Não. Eu não ando apressado, não tenho contas a pagar, mas também não tenho vontade de viver.

É quando a arte perde o sentido. As músicas, quaisquer delas, se tornam enfadonhas e cada vez mais prefiro o silêncio. Quando as leituras não se desenrolam, e eu prefiro as páginas em branco. É quando a poesia já não tem um por que nem o que dizer. Quando todas as imagens se misturam e deixam de constituir algo senão o nada.

É quando perco a vontade de comer porque as coisas perdem o sabor e tudo se transforma em uma gororoba insólita. É quando olho em volta e não me encontro, nem mesmo em uma melancolia. Olho com apatia para as paredes e vejo que falta alguma coisa que sequer posso imaginar o que seja.

É quando as pessoas da rua perderam seu rosto. É quando as conversas tecem sempre os mesmos temas. Quando as adolescentes não têm mais encantos e as crianças não têm mais seu sorriso infantil.

Quando isso acontece e está acontecendo a vontade de continuar vivendo já foi embora e só falta eu ir também.




segunda-feira, 27 de julho de 2009

[que não percebes nada]




que não percebes nada
além daquilo que te afeta
que te escondes no ninho
de tuas próprias vaidades
que usas o teu orgulho
como justificativa
para nada fazer

que nem sabes chorar
as tuas próprias tristezas
que zombas de ti
como zombas do outro
e não movimentas nada
porque tens medo de ir
para a tua própria solidão

que já estou farto
de tantas iniqüidades
que zombo na noite
como se não houvesse
possibilidade de um novo dia
que me entrego ao dia
como se não houvesse a noite

senti desejo de invadir
a penumbra que te abriga
e ali morar sem ser amado
e extrair de ti o sumo
de teu egoísmo insano
e alimentar-me dele
tornando-o imprescindível




segunda-feira, 20 de julho de 2009

mornidez




estou cansado
cansado de tantas palavras
tantas letras misturadas
e que não dizem nada
estou cansado

sílabas que apenas roçam de passagem
para um objetivo qualquer
efêmero e fugidio
num jogo de suposições
estou cansado

de compor uma epopéia
de mitos legendários
despidos de sorte ou de azar
nus de intencionalidade
estou cansado

de compor um mundo vazio
repleto de pequenas tristezas
sonhos imbecilizados
de crianças que envelhecem
estou cansado

de compor cotidianos de martírios
de tatear na névoa
a mornidez que me alheia
ao fundo de um cenário de neon
estou cansado

enfim, de focos de escuridão
de misturar minha carne
em cima de lençois encardidos
onde deposito minha fome
estou cansado




sábado, 18 de julho de 2009

Você mudou!

 Claudio Fagundes - You've Changed



Você mudou
Aquele brilho em seus olhos se foi
Seu sorriso é só um bocejo descuidado
Você é quebrou meu coração
Você mudou

Você mudou
Seu beijo é agora tão sem sabor
Você está chateada comigo sempre
Eu não posso entender
Você mudou

Você esqueceu as palavras
Eu amo você
Cada lembrança que nós compartilhamos
Você ignora toda estrela acima de você
Eu não posso fazer o que você já gostou

Você mudou
Não é o anjo que eu uma vez conheci
Não precisa dizer a mim que estamos fartos
Isso está em tudoagora.
Você mudou

You've Changed (B. Carey & C. Fisher)

Sou eu mesmo que interpreto.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

agonia




não tenho culpa
e pouco posso fazer
pelos teus desenganos
e o vazio que te percorre

nem posso te dar mais
que um silencioso apoio
porque você nem permite
que eu esteja perto

não quero julgar
as tuas escolhas de hoje
e as que fizestes há tempos
não quero julgar, nem posso

é que eu te sinto morrer
a cada dia que passa
e vejo o quanto te destróis
a cada minuto do tempo

se as palavras de outros
cabem melhor tuas idéias
seria bom que ao menos
lhe dissessem 'te quero'

mas hoje ninguém se quer
e na solidão de teu quarto
passas o dia em penumbra
tu que vives da luz

te trancafias no exílio
na fome da inanição
e ninguém faz nada
só eu que noto

e no entanto tu não vês
nem de dia quando dormes
nem de noite quando gemes
gemidos sem som

e te destroem as horas
te carcomem os silêncios
e não fazes nada
e não fazem nada

um dia não ouvirei mais
os teus silêncios
um dia um dia qualquer
também estarei morto




domingo, 12 de julho de 2009

segredo




neste silêncio que nos guarda
apenas a compreensão calada
de palavras sem precisão
de ser escrita ou falada

assim, sabemos de alguns limites
sabemos, ainda, da percepção do outro
que cada dia avança um bocado
e são assim os encontros

meu ser se agasalha no teu
te encontra imagem invertida
do ser que habita em mim
moro em ti, como moras aqui

num convívio de inevitável desejo
cada um respira a sua atmosfera
mas o sangue que percorre as vias
irriga o corpo, os pelos, a pele

são condutores de um sentido
um segredo perceptivo e morno
mas a lógica ensinou verdades
que segura o desejo e inibe

mas o desejo é bom quando se sabe
mergulhar na confiança aos poucos
sabe-se que há alimentos vitais
que não podem ser deixados de lado

e cada vez que vejo esse compreender
mais incorporo a razão no amor
quando se entra em estado de empatia
e é um segredo quieto que fala

e fala baixo só no ouvido de cada
e diz o que precisa e pode ser dito
e estabelece assim um respeito
de um pelo sagrado do outro

e assim se desenvolve a vontade
mesmo que ainda não tenha proposta
um plano secreto de entrega
sensorial que ecoa no corpo

e há aqui um segredo sagrado
dentro de uma intimidade profunda
porque há de se ver que a vida
precisa caminhar na via do mundo




sábado, 11 de julho de 2009

um beijo em bolero




não sei se te cabe
lembrar de instantes
flashes de palavras
ditas de passagem
em meandros de fios
pensamento que voa

são alegrias morosas
encontro sem hora
entre coisas difusas
a engendrar raciocínios
em razões e empatias
e pequenos detalhes

talvez fosse cedo
que viesse a noite
e eu esquecesse
na bagagem das horas
do peso das coisas
vividas há tempos

as horas fluindo
o tempo se deixando
ficar na preguiça
e deixar-se esquecer
que há compromissos
distantes agora

e tu não lembraste
das pequenas promessas
que juraste lembrar
e a noite bebeu
imersa nos lábios
em sussuros sem penas

seria como do nada
de repente um murmúrio
num beijo tão cúmplice
dum elo escondido
guardado em segredo
que se desse a saber



quarta-feira, 8 de julho de 2009

inclemência




tu me evitas
e disfarças
na delicadeza
o teu instinto

o encontro
está marcado
mesmo enquanto
estás fugidia

eu evito também
prever uma hora
de possibilidades
marcadas e certas

brinco de infinito
mas meu olhar
sabe muito bem
das circunstâncias

não é prudência
é cuidado
é conhecer-se
perceber-se em ti

sabemos o caminho
ele é evitável
uma escolha de ser
melhor ou pior

não interessa
busco a minha cura
no silêncio que diz
que apenas espero

mas sei do risco
que tu mergulhas
na noite que bate
a paixão calada

daí voas do nada
eu fico no nada
olhando de longe
sem te ver partir

e mais uma vez
tu vais inteira
teu caminho é ir
sem olhar atrás




[há um ruído sutil]




há um ruído sutil
na tua voz,
quando me conta
das amarguras
da vida

eu guardo meu livro
na mesa de cabeceira
e penso em ti
e esse pensamento
é quase uma oração

passa despercebido

há palavras que não
quero dizer agora
porque minha razão
está no mode te amo
e guardo isso

com delicadeza
de preenchimento
penso em ti
em milagres
deixo sempre

a porta aberta

para ir ou ficar
seria questão ou coisa
para o meu demônio
mais puro, pensar
sonhar e ansiar

e no entanto
todos os dias
sobram as horas
em que medito
e me vou

vôo infinito




domingo, 28 de junho de 2009

noturno transparente





eu tenho ânsias
de libertação
sonho com ela
todos os dias

de noite eu recebo
delicadamente
os grilhões de meus
despropósitos

já houve tempo
em que me deitava
comodamente
em minhas razões

agora eu tenho
espasmos e tremores
sinto na pele
sensações de frio

eu vejo almas
de trás do espelho
de trás da vidraça
da janela da sala

e há em mim
uma vontade enorme
de atravessar
esses umbrais

sinto-me cada vez
mais dono de meu medo
desmancho à noite
os tecidos do dia





sábado, 27 de junho de 2009

velhice




são essas as cores
que vejo todas as manhãs
cada vez mais sombrias

o sol se afastou de mim
e as veredas se encobriram
de mato fechado

e ali me encontro sempre
com os punhos trançados
pelas macegas que crescem

e daqui vejo a natureza
de paciência vagarosa
compor o meu túmulo




domingo, 7 de junho de 2009

[estou tão exausto]




estou tão exausto
e quando assim fico
eu falo demais

digo palavras
conclusivas
para depois calar

mergulho na pressa
de esconder-me
no meu silêncio

estou tão exausto
e quando assim fico
não quero escutar

prefiro trancafiar
esconder meu medo
na indiferença




terça-feira, 2 de junho de 2009

[com o tempo e o tempo]




com o tempo e o tempo
aprendi a esperar
na desesperança

quando se sente
que não se pode agir
nada se tem a fazer

então, eu aguardo
aguardo numa resposta
a desesperança do tempo




segunda-feira, 1 de junho de 2009

falar e falar




digo que ninguém
conseguirá
dizer do outro,
tanto como
o outro de si.

mas, para
saber de si mesmo,
num sentido
fenomenológico,
sempre faltará muito.

quanto ao ato
de só falar por falar...
é um modo de revelar
toda a indiferença.




seja cruel





seja cruel
não entre na complacência
do meu autocompadecimento
nas minhas lamentações

todas as dificuldades
morrem em um instante
e tudo se modifica
com um simples olhar

dê-me esse olhar
simplesmente sem piedade
seja inclemente
e me ressuscitarás

e serei teu
do jeito que queres
simplesmente teu
do jeito que quero





domingo, 31 de maio de 2009

[às vezes acontece]




às vezes acontece
de repente
o inesperado conspira

e num instante
algo incandece
desejo de presença

e então, um desejo
de entrega, de deixar
de ir la longe

buscar eu mesmo
e nem sei mesmo
onde eu me perdi

e é bom de sentir
o coração dispara
e tudo se renova




sábado, 30 de maio de 2009

[de todos os meus demônios]




de todos os meus demônios
o que eu prefiro é este
este que te adentra nos cabelos
que se perde em tuas linhas
nos teus pelos e águas-marinhas

de meus demônios é o mais franco
ele simplesmente se entrega
dos seios simplesmente suga
e cheira e se deita entre
e percorre a noite escura

de teu íntimo desejo é teso
ele extrai de ti o sabor
de sua própria sede e ele faz
de ti prometer-se de tudo
mesmo que falte a razão

este demônio deixa de ser eu
quando se entremeia em tua ânsia
ele não nega a maldade de ser
indecente, blásfemo, profano
ordinário, por hora, incendiário

mas ele sempre se perde em ti
ele se afoga nessa umidade
e morre assim de cada vez
irreversivelmente se entrega
de modo irresistível e fatal




terça-feira, 19 de maio de 2009

tempo




por trás das montanhas
tu te escondes
como uma trincheira
de silêncio

quis escorrer como água
por tuas ravinas
mas veio o tempo
e o tempo é cruel

agora o tempo não é de colher
tampouco de semear
é tempo de ir embora
pelo caminho do horizonte




sexta-feira, 8 de maio de 2009

existem pessoas





existem pessoas mesquinhas
que te respondem com educação
que te tratam com reverência
dizem que amam teus poemas
e te elogiam até demais

existem pessoas cretinas
que ficam contigo os dias
que adentram na tua morada
ouvem confissões veladas
e pedem que fale mais

existem pessoas canalhas
que dizem que te amam
que dizem que choram por ti
dizem até que na noite quieta
que por ti fazem orações


mais que a solidão




mais que a solidão
é te ver em fuga
é ver que preferiste
o outro lado do rio
onde há beleza
não há dúvida

mais que a solidão
é a distância que se fez
e o desdém que tomou
conta do teu sorriso
cheio de certezas
e de pequenas
indecências

mais que a solidão
é te ver oculta
sob um lençol
transparente
onde te vejo
mas não posso
tocar

mais que a solidão
é ver a perspectiva
de um sonho que se foi
e a cor da manhã
que fere de dor
a difusa luz
da janela pro vale


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Astrologia Mundana: dois meses de Júpiter em conjunção com Netuno (*)




Se inicia em 13/05/2009 (durará até 10/07/2009) um tempo de idealismo no mundo.

As pessoas serão despertadas para um sentimento espontâneo para com os demais e entrarão num estado de disposição em ajudar outras pessoas. Cada um poderá ajudar as pessoas mais próximas com alguma coisa ou ação de conforto. Haverá uma predisposição geral em acudir a aqueles que se encontam em situação desvantajosa perante a sociedade. As instituições de caridade poderão contar com uma ahuda extra nesse tempo.

Esse tempo também ajudará e motivará a cada um a renovar os seus ideais. Não será suficiente para a satisfação pessoal de cada um simplesmente para acreditar em algo, ter mera mente uma fé genérica, as pessoas estarão propensas a realizarem suas convicções pessoais. Mas há uma tendência negativa, que reflete no plano pessoal de cada um, de considerar tudo em que acredita como uma verdade absoluta. Deve-se tomar cuidado par anão delirar demais no próprio idealismo.

Neste momento, muitas pessoas se interessarão mais por filosofia e religião. As pessoas estarão bem mais em observar como se ajustam na ordem universal. Estarão mais ligadas em abstrações e em como estas se relacionam à sua vida. Os aspectos cotidianos tenderão a aborrecer e parecerão mecânicos demais para que sejam objeto de preocupação. Não é preciso dizer que isso poderá trazer uma série de problemas na vida pessoal e comunitária. Portanto, é importante ter consciência do cotidiano, para evitar dificuldades, mesmo que as pessoas à volta não estejam ligadas nem um pouco em si mesmas. É vital manter a cotidianidade dos requisitos diários e isso ajudará a desenvolver perspicácias no dia-a-dia e tornar a vida muito mais significativa.

Existe outro lado, entretanto, a ser observado. As pessoas de modo geral estarão sujeitas a sentirem uma confiança tola nas suas próprias percepções. Como resultado, tenderão a tomar riscos e fazer apostas que podem levar a sérios prejuízos futuros. Aliás, não é um tempo muito propício para dedicar-se a jogos de azar. Nem a apostar corridas nas estradas e no trânsito cotidiano. Essa confiança exacerbada em si mesmo pode ser catastrófica.

O momento é de confundir os desejos com a realidade e deixar os desejos tomarem o timão da vida, nesse tempo, não é adequado.

Não é um bom tempo para fazer investimentos a longo prazo, porque a tendência é ver o mundo com lentes mais coloridas e os negócios requerem frieza e austeridade.

De fato, as pessoas estarão muito mais propensas a serem sensibilizadas por qualquer um que apele para seus desejos, especialmente para desejos mais íntimos.

Aproveite esse tempo para adquirir perspicácias na vida, mas evite avançar em seus interesses mais materiais, pois a tendência provável é de não ser bem sucedido. A não ser que tenha plena consciência do cotidiano e queira obter vantagem dos outros em estado geral de tolice... e isso não é muito bonito.



(*) Previsões de Claudio Aldebahran - c.aldebahran@gmail.com


quarta-feira, 6 de maio de 2009

constância





há uma distância
entre nós
entre as palavras
entre as sílabas

uma distância
sem gemido
apenas constância
impaciente

constância
da minha voz
tentando fingir
que sou o mesmo

mas o olhar
deixou de velar
os cuidados
de nossa cura

as mãos
pararam de afagar
os pequenos gestos
de sobrevivência

e na varanda
noite enegrecida
sem murmúrios
para minha surdez

e a porta
já está fechada
por causa do vento
que fala comigo

e esfria as canelas
as sandálias de dedo
o silêncio medonho
da noite sem fim



domingo, 19 de abril de 2009

não quero escrever nada





não
não quero escrever nada
nem isso aqui
eu quero escrever
eu quero te ler

quero te ler
tu que nada escreves
que não enfias teu ego
goela abaixo de quem vê
e que não se apressa em dizer
qualquer coisa
apenas por dizer

eu quero te ler
em teu silêncio
e na ausência
de entrelinhas
eu quero te despir

quero te entender
quero me achar em ti
quero extrair de mim
o teu silêncio







cais
o lusco-fusco marítimo
delineia tua sombra

eu te vejo

o cheiro da bebida
me embriaga
e sonho

já não te vejo

as cores delineiam
agora
a sombra que não és

divago


sexta-feira, 13 de março de 2009

[as horas conspiram]





as horas conspiram
para levar-te embora
e eu aqui permaneço
com os olhos parados
pressentindo ausência

a inevitável partida
te levará para longe
e mata expectativas
e sensação do nada
trespassa a agonia

sem reação assisto
teus cabelos serem
levados pelo vento
se uma lágrima cai
apresso-me em secá-la

eu sei... o tempo conta
agora contra mim
sei que tua partida
levará para longe
a única esperança

e eu brinco contigo
de reencontro inevitável
mas sei que te vais
desta vez para sempre
e o infinito me assiste


quarta-feira, 11 de março de 2009

quando eu digo não





quando eu digo não
você não adianta contar
com argumentos
e forças bélicas
porque é melhor morrer
do que voltar atrás

quando eu digo não
é porque morri um pouco
só de antes pensar
em dizê-lo para você
e o irreversível
tomou lugar

quando eu digo não
aconteceu em mim
uma ruptura com o suave
da coisa fluir
é porque cheguei
no limite do tolerável

quando eu digo não
e agora eu te digo
é porque morreu
toda a possibilidade
de ir além daqui
e é melhor sumir



terça-feira, 10 de março de 2009

por culpa de nós dois




um dia você me dirá
de desencontros de amor
e eu direi, que nesse mesmo dia
estava pensando nisso
acontece que o tempo passou
o tempo viveu
e não tivemos tempo
de pensar no que aconteceu

um dia você contará
de encontros de amor
eu direi, que nesse mesmo dia
estava pensando nisso
que o tempo foi pouco
não era uma coisa prática
e havia tanta coisa
para fazer e viver

uns dias depois, você dirá
que tudo não passa de sonho
eu mesmo estava pensando nisso
e então já estou tão velhinho
as palavras já me faltam
e eu não posso pensar mais
que a crueldade da vida
foi culpa de nós dois


de repente, a morte




De repente,
sem qualquer notícia de chegada
eis que a morte me olha
e me escolhe para companhia

"Não morrerás! Diz-me ela.
Padecerás de amargura,
sofrerás todas agruras e mazelas,
Mas não morrerás!
Até que me peças,
por clemência,
que te leve embora comigo."

Assim sendo,
eu com o coração de menino,
marcado pelas rugas
e degeneração de cartilagens,
onde cada passo se torna
um caminhar sobre punhais,
ainda queria viver.

Mas a vida só me reserva
o desterro de mim
numa velhice de todas as dores.

Agora não mais,
dentro da solidão
de todas as cercanias,
sendo cada movimento
de imenso sacrifício,
tendo o coração lancetado
pelas amarguras cotidianas,
e não tendo mais do que
desesperança como sentimento,
eu peço armistício.

Leva-me agora, Senhora,
eu não quero mais.
Já que me vês rastejar
no lodo do poço
em que me encerro.
Não quero mais nada!
Por clemência, leva-me!


ela se vai




eu não tenho coragem
de externar minha tristeza
e nem mesmo demonstrar
o quanto eu estou perdido

eu não posso dizer
que fico feliz
porque ela é diferente
de tudo o que eu vi

ela se vai
e tem mesmo de ir
porque é o tempo
e ela precisa ir

e eu da janela
dos meus tantos anos
não vou chorar
e nem pedir que fique

pelo menos na sua frente
eu vou sorrir
e dizer: eu te amo
mas você tem que ir


o amor e o cotidiano




"Amor permanente... como a gente se agarra nesta ilusão.
Pois se nem o amor pela gente mesmo resiste tanto tempo
sem umas reavaliações. Por isso nos transformamos, temos sede
de aprender, de nos melhorar, de deixar pra trás nossos imensuráveis erros,
nossos achaques, nossos preconceitos, tudo o que fizemos achando
que era certo e hoje condenamos. O amor se infiltra dentro da nós,
mas seguem todos em movimento: você, o amor da sua vida
e o que vocês sentem. Tudo pulsando independentemente,
e passíveis de se desgarrar um do outro.
"
 - sibellepazinato




Eu ainda não sei se concordo com você aqui nesse parágrafo. A questão que me parece mais pertinente aqui é "o que é o amor?". A princípio amor é uma ilusão construída a dois, como bem nos explica Edgar Morin. É um estado de demência consentida. Uma santa demência. Para ter persistência é necessário que a ilusão seja constantemente realimentada. E geralmente as pessoas não têm o menor saco para isso. E talvez estejam certas.

Fato é que uma relação mais permanente é aquela que se se realiza no cotidiano. E é no cotiano, em sua medianidade, que encontramos com o nosso ser, segundo Martin Heidegger em "Ser e Tempo". Assim, se há uma "verdade" ela está no cotidiano. Se falamos em amor como paixão, teremos que afirmar também a sua efemeridade. Porque o estado de paixão não tem nada a ver com a medianidade cotidiana. É um estado de efervecência que nos tira do cotidiano.

A tese da cotidianidade mediana também se observa em casais que convivem muitos anos juntos. Não se deve confundir casamento e amor, pois o casamento é um impulso da paixão que coloca as pessoas em uma relação que tende ao cotidiano. E o cotidiano, quando o verdadeiro ser de cada um se manifesta, pode ser diferente da ilusão da paixão, da demência consentida. Então, há casais que o cotidiano separa e outros casais, também, que o cotidiano revela uma nova descoberta a cada dia. E o efeito disso é a persistência.

Então, eu posso dizer, o amor não será nunca permanente até mesmo para se manter. Ele é uma construção cotidiana em que as coisas se transformam ao longo da vida comum. Se isso não acontece, como falar de amor? O amor só pode ser algo que se revela no cotidiano, se o cotidiano mostra duas pessoas como estranhos conviventes, estaria certo em falar de amor?



o sonho




É irrealizavel porque todo sonho é além do possível.
E, quando damos um passo, o sonho já vai além do que era.

Mas não importa. O que importa é ir ao encontro do sonho.
O importante, o que é realmente importante, não é o sonho.
É sim o caminho.

O caminho que se faz em busca do próprio ser.


o tempo




Do tempo não interessa se existe ou não.
É como Deus.

Do tempo só interessa o seu decurso.


entre você e eu




não sei
o que aconteceu
nada houve de concreto
entre você e eu

os pratos estão por lavar
a cama está por fazer
há uma taça de vinho
que ficou por beber

eu já ia saindo
quando um raio solar
estacou meus passos
e me fez pensar

agora é a chuva que molha
as palavras a dizer
e que seriam bem ditas
e que eu não soube tecer

não sei
que aconteceu
nada houve de concreto
entre você e eu


fé e paixão




Tanto a fé como a paixão são resultados da demência do homem.


[o silêncio marca o compasso]




o silêncio
marca um compasso
lento vazio distante

para onde foram
os sonhos
que nem sonhamos?

tu não resististe
a entregar-te
ao ópio da vida

criaste para ti
um cotidiano falso
fingido de realidade

fugiste tentando
enganar a dor
e não se engana

no meio da noite
a mesma agonia
reclama e te lembra

dentro de ti
está o germe
que és tu


...




Se Deus amou tanto o mundo que mandou seu Filho, não foi porque ele era um péssimo pai, nem porque o filho não tinha se comportado bem.

Foi, então, certamente, porque ele tinha um péssimo gosto.


Quando se morre (era pra ser uma mensagem de fim de ano)




A gente morre, não simplesmente quando para de respirar. Quando o coração já não bate mais. Quando o olhar vidra fitando o infinito. Não! Tem gente que morre muito antes e tem gente que não morre nem quando isso acontece.

Tem gente que morre muito antes de parar de respirar. Tem gente que o coração pára de bater, muito antes do atestado de óbito. Tem gente que morre em vida. Se enterra em vida e nem percebe isso. Quando se entrega ao cotidiano, fingindo ser realidade. Fingindo que é tudo que existe. E cala os sonhos dos possíveis amores e se entrega à penitência diária a cumprir, como se fosse absolutamente necessário percorrer a via crucis, diariamente, cada momento. Como se não houvesse sequer o direito de imaginar um outro caminho seja ele triste ou feliz; encantado ou meramente carnal, sim porque o prazer também faz parte do encanto da vida. Sacrificar o corpo, os sentidos, uma vida melhor. Enterrar-se prematuramente em casamentos insólitos, sem sentido, a uma dependência sórdida e se uma subserviência maquiavélica.

Também é morrer trancar-se no quarto, respirando o ar carregado de todos os dias, sem esperança, sem ao menos poder criar de si uma pequena ilusão passageira que serve de alívio por uns poucos dias, pelo medo de depois retornar ao inferno dos arrependimentos e culpas.

De que vale a vida sem arrependimentos e culpas? Muitas vezes, ainda assim, são as melhores lembranças íntimas de muita gente que eu conheço. Pior daquele que não se arrepende, nem sente culpa, porque sequer fez alguma coisa que valesse, minimamente, um arrependimento ou uma culpa.

De que vale a vida sem o amor? Não aquele amor cotidiano, baseado em trocas, em respeito ou medo, em imposições e sacrifícios. Isso não é amor: é negócio! Não, desculpe-me, não é amor. É morte! É enfurnar-se na caverna da solidão e abdicar da vida. Só será amor quando o sacrifício é das idéias velhas, surradas, puídas, como uma roupa velha que vira pano de chão. Permanecer vestindo essas idéias vencidas o caminho do ser que abre mão de si mesmo, de suas possibilidades, do próprio futuro.

Ensina-nos as religiões sobre os casamentos e seus sacrifícios. Sobre os pecados e a castidade. Ensina-nos a honrar os nossos cônjuges. Ao sacrifício – sempre o sacrifício – da desejo, da vontade, do crescimento pessoal, da felicidade. As religiões ensinam que viver é exatamente isso aí: esse sacrifício. Que merda de vida a religião nos ensina. Que se fodam todas essas religiões que mais massacram do que abrem portas e janelas.

Há pessoas que acreditam que a merda é ouro. E que um dia aquela merda cotidiana de tão pisoteada irá se transformar, por uma alquimia sagrada, em beleza. Enquanto isso deixam que o cotidiano leve todas as esperanças.

Já basta desses dias todos que somos obrigados a aturar a mediocridade dessas coisas cotidianas: trabalho, trânsito, comer mal; aturar a ignorância, a infelicidade, a mediocridade de outros que sequer pedimos para conhecer. E ainda querem, outros, por razões que não são próprias, que nos submetamos ao sacrifício dos sonhos, dos desejos, das vontades que são de cunho personalíssimo, discretamente privado.

Dirão alguns: são regras de convívio, da boa e fecunda convivência. O convívio gera limites. Não me venham com esta! O convívio que me imponha limites que vá para o caralho! Porque, para mim, eu prefiro o convívio que extrapole os limites. Para que serve a convivência cerceadora? No fim das contas nem a convivência vale nada: só os limites é que acontecem.

Hoje eu queria deixar para vocês, meus amigos (apenas os mais chegados) uma mensagem de fim de ano. Acabou virando um manifesto.

Isso é porque eu tenho muitas dúvidas se eu falo com pessoas vivas. Geralmente, os suicidas costumam ter a lucidez de que já morreram havia tanto tempo.

Para essas pessoas que estão mortas eu não desejo nada. Nem os meus respeitos merecem. Quiçá, meus pêsames!

Para aquelas que ainda têm sonhos, que sentem desejos mesmo que pequenos, aqueles que acreditam que o sonho não tem limites e que o sonho é o potencial de uma nova realidade, a esses eu desejo não só um ano, mas dias, minutos e segundos com muitos sonhos e cada vez melhores. Porque o sonho é a única esperança de um futuro melhor. E que a própria morte do corpo, desta velha carcaça-bagaça, não seja um motivo para parar de sonhar.



menina bonita




não se sabe porque
num instante infinito
dois olhares se encontram
e não se explica
como vencem obstáculos
para este encontro
que só pode ser tudo
porque nada já fora


domingo, 11 de janeiro de 2009

água-furtada







Enquanto o vento passa atropelando
as madeiras toscas de um alpendre nu.
Enquanto doira de sol a água-furtada.

Novelos de macegas
adentram a casa.
Ruído e mau cheiro
adentram a casa.

No avarandado pretejado pelas sombras
uma mulher nua e branca como um véu,
se estira no soalho tosco de tábuas

e se deixa penetrar
pelo sol, devagar
Se deixa possuir
vagarosamente pelo sol.

Eu poderia miscigenar um sangue,
penetrar na tua ante-sala
Fazer-te gemer, fazer-te morder,
Fazer-te...

Enquanto a sentir no vestíbulo deste mundão,
toda a tristeza muda de um pomar neurótico.
Num acasalamento frígido e letárgico

a carcomer a mente
numa chaga viva.
A amargar os restos
em todos os dias seguintes.