terça-feira, 10 de março de 2009

Quando se morre (era pra ser uma mensagem de fim de ano)




A gente morre, não simplesmente quando para de respirar. Quando o coração já não bate mais. Quando o olhar vidra fitando o infinito. Não! Tem gente que morre muito antes e tem gente que não morre nem quando isso acontece.

Tem gente que morre muito antes de parar de respirar. Tem gente que o coração pára de bater, muito antes do atestado de óbito. Tem gente que morre em vida. Se enterra em vida e nem percebe isso. Quando se entrega ao cotidiano, fingindo ser realidade. Fingindo que é tudo que existe. E cala os sonhos dos possíveis amores e se entrega à penitência diária a cumprir, como se fosse absolutamente necessário percorrer a via crucis, diariamente, cada momento. Como se não houvesse sequer o direito de imaginar um outro caminho seja ele triste ou feliz; encantado ou meramente carnal, sim porque o prazer também faz parte do encanto da vida. Sacrificar o corpo, os sentidos, uma vida melhor. Enterrar-se prematuramente em casamentos insólitos, sem sentido, a uma dependência sórdida e se uma subserviência maquiavélica.

Também é morrer trancar-se no quarto, respirando o ar carregado de todos os dias, sem esperança, sem ao menos poder criar de si uma pequena ilusão passageira que serve de alívio por uns poucos dias, pelo medo de depois retornar ao inferno dos arrependimentos e culpas.

De que vale a vida sem arrependimentos e culpas? Muitas vezes, ainda assim, são as melhores lembranças íntimas de muita gente que eu conheço. Pior daquele que não se arrepende, nem sente culpa, porque sequer fez alguma coisa que valesse, minimamente, um arrependimento ou uma culpa.

De que vale a vida sem o amor? Não aquele amor cotidiano, baseado em trocas, em respeito ou medo, em imposições e sacrifícios. Isso não é amor: é negócio! Não, desculpe-me, não é amor. É morte! É enfurnar-se na caverna da solidão e abdicar da vida. Só será amor quando o sacrifício é das idéias velhas, surradas, puídas, como uma roupa velha que vira pano de chão. Permanecer vestindo essas idéias vencidas o caminho do ser que abre mão de si mesmo, de suas possibilidades, do próprio futuro.

Ensina-nos as religiões sobre os casamentos e seus sacrifícios. Sobre os pecados e a castidade. Ensina-nos a honrar os nossos cônjuges. Ao sacrifício – sempre o sacrifício – da desejo, da vontade, do crescimento pessoal, da felicidade. As religiões ensinam que viver é exatamente isso aí: esse sacrifício. Que merda de vida a religião nos ensina. Que se fodam todas essas religiões que mais massacram do que abrem portas e janelas.

Há pessoas que acreditam que a merda é ouro. E que um dia aquela merda cotidiana de tão pisoteada irá se transformar, por uma alquimia sagrada, em beleza. Enquanto isso deixam que o cotidiano leve todas as esperanças.

Já basta desses dias todos que somos obrigados a aturar a mediocridade dessas coisas cotidianas: trabalho, trânsito, comer mal; aturar a ignorância, a infelicidade, a mediocridade de outros que sequer pedimos para conhecer. E ainda querem, outros, por razões que não são próprias, que nos submetamos ao sacrifício dos sonhos, dos desejos, das vontades que são de cunho personalíssimo, discretamente privado.

Dirão alguns: são regras de convívio, da boa e fecunda convivência. O convívio gera limites. Não me venham com esta! O convívio que me imponha limites que vá para o caralho! Porque, para mim, eu prefiro o convívio que extrapole os limites. Para que serve a convivência cerceadora? No fim das contas nem a convivência vale nada: só os limites é que acontecem.

Hoje eu queria deixar para vocês, meus amigos (apenas os mais chegados) uma mensagem de fim de ano. Acabou virando um manifesto.

Isso é porque eu tenho muitas dúvidas se eu falo com pessoas vivas. Geralmente, os suicidas costumam ter a lucidez de que já morreram havia tanto tempo.

Para essas pessoas que estão mortas eu não desejo nada. Nem os meus respeitos merecem. Quiçá, meus pêsames!

Para aquelas que ainda têm sonhos, que sentem desejos mesmo que pequenos, aqueles que acreditam que o sonho não tem limites e que o sonho é o potencial de uma nova realidade, a esses eu desejo não só um ano, mas dias, minutos e segundos com muitos sonhos e cada vez melhores. Porque o sonho é a única esperança de um futuro melhor. E que a própria morte do corpo, desta velha carcaça-bagaça, não seja um motivo para parar de sonhar.



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