segunda-feira, 5 de julho de 2010
vilegiatura
Quando a noite se aquieta e todos na casa, na rua, já dormem o sétimo sono. Eu permaneço em vigília. Sou vagabundo do nada fazer a não ser cuidar, para que as dores também adormeçam e os fantasmas não vaguem a esmo. Dou a eles o seu motivo. Deixo-me assombrar pelos meus mortos, para que os vivos durmam em paz e tenham um amanhã correto.
Aqui permaneço. Acolho os uivos que os lobos dedicam à lua. Intercepto os refrões que recitam a cantilena de sofrimentos que não têm perdão. A récita dos tormentos sempre repetidos, numa ladainha, como um rosário de rezas que precisam se mostrar evidentes, que precisam ecoar no silêncio para revelar a inclemência dos tempos que se demoram e não passam, não passam.
Já era hora de estirar no leito, mas lá os murmúrios do silêncio soam mais alto. E um coro em forma de zumbido que vai e volta. E não deixa acostumar-se. E não deixa sublimar-se. Então eu sento e espero pela hora do lobo. Espero atento a cada movimento do vento. Envolvo-me nas expectativas do ranger das tábuas do assoalho e de passos que nunca chegam.
Aí duendes, os pequenos demônios da madrugada, já fazem parte de mim. Incorporados, dilaceram fibras e cartilagens, cutucam intermitentes os anéis fibrosos entre minhas vértebras. Ferroam com agulhas aguçadas o encordoamento dos nervos. E permanecem nesse ritual até que meus sentidos se esmoreçam e, finalmente, se percam em si mesmos.
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