sábado, 29 de agosto de 2009

à moça que passa




a ti
que não me conheces
que nem reparaste
nos olhos que te viram
e percorreram teu semblante
deitaram-se em teu sorriso
nos teus lábios

tu que vinhas lenta
na calçada em frente
à minha janela
eu te trouxe para tão perto
que meus dedos te alcançaram
e percorreram tua face
como uma escultura de arte
que desejamos tatear
para sentir o contorno
e trazer mais para perto
quem sabe internalizar

eu vi
teus olhos transparentes
aproximando os caminhos
por onde teu corpo esguio
em seguida trespassará

desejei te trazer para perto
para te ver todo dia
e alegrar minha vida
embriagar-me de beleza
durante todos dias

mas não
deixei-te ir em silêncio
não irrompi na tua frente
com explicações de devir

fiquei
permaneci embebido
de uma magia solene
embriagado de ti
da tua magia
da tua beleza
de andar macio





por Claudio Fagundes (CAlex)


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

rumores do silêncio




onde foi que guardaste
os momentos em que
deitava sobre ti
a ternura de meus lábios

o tempo revelou o silêncio
a solidão das palavras
presas entre dentes
nas unhas sujas de tinta
e de suor de sangue

comprometi-me a dizer
algumas palavras doces
de carinho desinteressado
mas elas se diluíram
no frenesi dos ventos
e os desejos se foram
escoando pelo ralo

a fumaça de teu cigarro
invadiu meu quarto
me engasgou na névoa
daquela noite insone
e nem o alvorecer
clareou o torpor
da mente submersa
no ardor das ânsias

o dia clareou
em tua nudez mais íntima
vasculhou das gavetas
histórias mal contadas
mal vividas, desleixadas
no percorrer das horas

e meu olhar te conteve
enquanto eu te pensava
e bebia teu ressonar

e permaneci ali
perscrutando o tempo
enquanto te perdia
na sonoridade da rua

onde os transeuntes
carregam suas dívidas
tais credores do absurdo
em suas vidas inertes
transitam na cidade

e então eu te vi
pela janela da sala
caminhando lá fora
o seu dia comum de sentido
do nada que te impulsiona

te vi percolando camadas
com passos que não soam
com voz que não fala
é apenas a cidade que te leva
são os rumores do silêncio
só o que se escuta agora





por Claudio Fagundes (CAlex)


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

amor e escravidão




como diz Apolinaire em seu belíssimo poema Le Pont Mirabeau
"passam os dias, passam as horas,amores se vão e eu permaneço"

amor não é para sofrer, não é para escravizar
amores acontecem a cada hora e a gente nem vê

a gente se escraviza em nossa obsessão
um olha único para uma miragem criada
e sofre porque a realidade não obedece ao delírio





por Claudio Fagundes (CAlex)


terça-feira, 4 de agosto de 2009

janela de chuva





se você nem faz questão de viver
e dá a vida já por vencida
que mais posso te dizer eu?
eu que lamento tanto
tempos e vidas
que passaram por mim
você será apenas
uma vida mais
que irei lamentar

os dias passam
pela minha velhice
atravessam a solidão
eu olho através da vidraça
eu vejo as pessoas sem rosto
murmurando entre dentes
a canção do silêncio
apenas um rosto a mais
que irei lamentar

sentado no meu carro
a chuva bate triste no pára-brisa
eu escuto uma canção antiga
e espero o sinal abrir
eu olho os carros do lado
com aqueles vidros sem rosto
acelero e sinto o motor
empurrar minha vida pra frente

se hoje estou mais triste
que ontem isso é normal
cada dia que passa
fico mais certo
que meus sonhos se foram
em que as coisas pequenas
deixadas de lado
foram as únicas verdades
que resistiram ao tempo
e que ficaram

e hoje eu sei que tudo passa
e que não ficou nada daquilo
que um dia chamei de ser feliz
os dias ficam cada vez mais difíceis
as horas gotejam sangue
e lá fora só restou a vontade
de ir e encontrar contigo
e hoje não te vejo na distância
eu me perdi no emaranhado
do resto de minha vida.





canção de inverno




O sol voltou a São Paulo, mas permanece um frio gelado cortando os músculos e endurecendo os nervos. O dia está bonito lá fora, a cidade volta ao seu ritmo febril das pessoas apressadas, mal humoradas com as contas a pagar e sem vontade de viver.

Não. Eu não ando apressado, não tenho contas a pagar, mas também não tenho vontade de viver.

É quando a arte perde o sentido. As músicas, quaisquer delas, se tornam enfadonhas e cada vez mais prefiro o silêncio. Quando as leituras não se desenrolam, e eu prefiro as páginas em branco. É quando a poesia já não tem um por que nem o que dizer. Quando todas as imagens se misturam e deixam de constituir algo senão o nada.

É quando perco a vontade de comer porque as coisas perdem o sabor e tudo se transforma em uma gororoba insólita. É quando olho em volta e não me encontro, nem mesmo em uma melancolia. Olho com apatia para as paredes e vejo que falta alguma coisa que sequer posso imaginar o que seja.

É quando as pessoas da rua perderam seu rosto. É quando as conversas tecem sempre os mesmos temas. Quando as adolescentes não têm mais encantos e as crianças não têm mais seu sorriso infantil.

Quando isso acontece e está acontecendo a vontade de continuar vivendo já foi embora e só falta eu ir também.