sábado, 27 de dezembro de 2008

Quem é aquela mulher?





Deixe que eu te leve no sonho.
No sonho que meu corpo embala,
que a palavra cala,
que o pensamento voa.
Deixe que o calor te chegue
infiltre em teus poros,
erice teus pelos.
Escute meus apelos,
afague meus cabelos.
Arranhe minha pele.
Deixe essa fera,
esse fogo aberto,
essa mulher oculta,
renasça em carne viva.

Viva meu esforço,
minha luta.
Como me contorço,
como me refaço,
como que renasço.
É que para mim existe algo
diante do sonho.
Existe uma mulher real,
uma mulher que toco e que amo.
Existe uma força suavemente macia
que comprime meu peito,
que me engole a boca
que é meu próprio sangue,
na minha própria magia.

Existe uma mulher oculta,
renegada, calada
que me agarra e se integra comigo
num único momento,
num único organismo ofegante.
Depois se cala e me renega.
E já é outra que fala,
que me expulsa do leito,
que nega, que isola,
que repudia.

Quem é aquela nos momentos de entrega?
Quem é aquela que comigo revira os lençóis?
Quem é aquela mulher?



Metamorfose Blues




O pensamento, essas mãos remotas
que te tocaram.
Te transformaram, fluindo em ti
uma vontade louca.
Um gosto acre, de amor,
invade a boca.
Uma sensação de contradição
revela o intangível.

Dissera que o prazer
supremo libera a alma.
E traz a calma nas manhãs
dormidas ao relento.
Mas o pensamento
navega em turvas águas.
E nas mágoas que brotam
em teus segredos.

As mãos do pensamento
acharam teu recanto.
E a voz te penetrou
em íntimos encantos.
E o gozo inundou...
E a noite prosseguiu...
E um choro convulsivo
te descobriu em ti.


segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O bar




Numa esquina da rua,
escancarado, há um bar.
De longas prateleiras,
garrafas a convidar,
para longas bebedeiras
nas noites de luar.

Sempre que lá passo
há um gato a ressonar.
Garçom parado ao canto,
balcão vazio a brilhar.
Passo e se oferecem
mil lugares prá sentar.

Mas sempre que por ali eu passo,
mesmo que queira entrar.
Mesmo que ouça o chamado,
não faço mais que olhar.
Como se fora um cenário,
fingindo que é lugar


desesperança




essa desesperança
que bate e derruba
acaba com o ânimo
e cala as palavras

e o silêncio chega
como uma ausência
e toma conta de tudo
envolvendo a noite

gostaria de voar
nesta madrugada
encontrar meu sonho
sem pedir licença

mas o grito cala
a cabeça lateja
os músculos retesam
e eu só quero dormir


quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

esperança



eu já entrei
nesse amor derrotado

pela vida
pelo tempo
pelo clima
pela justiça

a vida
deu-me muitas chances
todas ilusórias

o tempo
foi cruel e passou
depressa demais

o clima
insiste em aquecer-me
com os seus calores

a justiça
que só existe
para não mudar nada

ainda assim
eu te vejo
e levo comigo
uma esperança
no coração



segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

desvãos

 
 
sim, sou artista
sou artista da arte
de desfrutar o tempo
e o meu tempo contigo

o tempo é raro
se encolhe
na vagarosidade do dia
e se estreita na noite
quase imperceptível
de meu ressonar

o tempo me foge
escorre entre
os meus dedos
e eu não consigo
agarrar-me
às salências
e reentrâncias
do meu desespero

desespero da vida
que se escoa rápido
pelos desvãos
quando não estou
contigo

 

O Trem



O tempo escoa-se vagaroso
como trem pesado e fumarento.
Trem de fumaça cinzenta.,
indo e voltando,
carros engatando,.
Vagões pesados, sinetas.

Vai-se formando o combóio.
A locomotiva percorre
já um grande trecho.
Fazendo manobras
e fumo cinzento.

E o tempo, paciente,
adia sempre a partida
para o seguinte momento.


Sim, meu bom Álvaro, é cansaço

 
 
É cansaço de cometer o suicídio
diário de ver almas que já
crescem pequenas e perdidas
pelo temor de sair de dentro
de si mesmas.

É cansaço. É cansaço de perceber
com essa maldita (e dolorosa) consciência
como as pessoas negam a si mesmas
e se auto-destroem, todos os dias,
de diferentes formas e sutilezas.

É cansaço. É cansaço de prever
sempre os mesmos cataclismas
pessoais retratados e, lamento,
Álvaro, a gare a que se volta
agora é sempre a mesma.
E só se serve o amor como
dobrada fria.

É cansaço. Sim, é cansaço.




Ver aqui: http://claudioalex.multiply.com/reviews/item/899  

[eu fico pra morrer]




eu fico pra morrer
tem hora que é melhor morrer
do que ficar vagando
pela sala
pelo quarto

a incerteza
o risco de viver
a bebida no copo
e tão pouco é
para dar substância

não não quero falar
não posso dizer
é segredo

as paredes parecem
ter inchado
absorvido a mágoa
direto na alma


sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Não Escutas

Não
Tu não escutas
Nem o vento tu escutas
Nem a minha canção

Como escutarias
o teu coração?

desistência



Quando um amor
acontece
sem esperança
é porque a vida
e nossos sonhos
estão se esvaindo

Perder um amor
por inabilidade
ou cansaço
é sinal que perdemos
toda esperança
no ser que somos

Então, só nos resta
recolher a melancolia
inconsciente
levá-la à varanda
para ver o sol
ir-se trás dos montes

E chorar em silêncio
um perdão que nunca virá



percepção

 


Este que sou
Eu já nem sei
O que ficou
passou


Ora, o saber
é mais canção
do que saber
razão


Enquanto isso
por enquanto
por favor
me faça o café
passa para mim
no canto do pão
a manteiga
ou requeijão


Este que sou
Eu já nem sei
O que passou
ficou


quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O Dia Seguinte

Toda renovação - para ser verdadeira - é uma transformação. Toda transformação se baseia no desapego e no abandono de ser. A morte é uma transformação. O amor profundo é uma transformação.

Toda transformação - se consciente - é dolorosa. Porque envolve o rompimento da casca de um ovo e uma abertura para uma dimensão para a qual não temos a menor familiaridade.

O absorver-se no cotidiano - carpe diem - viver o aqui-e-agora, é também uma fuga de si mesmo. Porque o cotidiano é também uma ilusão (maia). Podemos, muito bem, escondermos a consciência de si mesmo vivendo plenamente - e febrilmente - o cotidiano.

Toda alegria e toda tristeza infundadas seriam igualmente idiotas se fôssemos totamente conscientes de nós mesmos. Não somos. Temos apenas vislumbres efêmeros de nosso ser. Há, então, processos e ressonâncias que desconhecemos agindo sobre nosso ser. Processos advindos de contatos intrapessoais e reaçõees do ser no mundo.

O reconhecimento da beleza pode advir tanto da tristeza quanto da felicidade. A melancolia pode ser um estado perceptivo permanente ou provisório. Creio que devemos tratar com respeito e buscar compreensão da dor e da melancolia dos outros, talvez porque no "outro" esteja uma parte de nós mesmos.

O tempo cronológico (cronos) que marca as nossas festas não é uma lei que nos obriga a sermos felizes. O tempo cronológico, bem como as festas, é meramente uma convenção mundana. O que vale é o tempo interno de cada ser (kairós) na busca de sua transcendência (mudança, transformação, renovação) e o que realmente importa é o que cada um sente. Se não corremos o risco de cair num animismo maquínico que nos obrigaria a ser feliz, privando-nos de nossa autonomia de ser.

É o que o mundo quer: que sejamos felizes no momento adequado e tristes nos momentos adequados. E esse adequado é adequado para o mundo e não para nós. Caindo nessa esparrela deixamos de ser sujeito e viramos mero objeto.

Será que aquilo que o mundo nos apresenta é realmente uma perfeita e harmônica razão para nos despreocuparmos da dor que por ventura sentimos? O tempo cronológico, as datas do calendário, mudam realmente alguma coisa em nós?

Será que o abandonar o velho e simplesmente caminharmos, ávidos, leves, livres e soltos em direção ao novo não é a mesma ideologia do descartável vista por uma fantasia de aparente beleza?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

compreensão



o sol trespassa
o horizonte
uma nova noite
uma nova lua

mas não ouvirás hoje
do uivo do lobo
que mora em mim
chamando-te em lamento

ouvirás, nesta noite
um canto doce terno
um canto que te ecoa
leve sussurando

um canto que te sabe
te traz e aninha
no meio cálido
do meu abraço


lamento

 

não, eu nao quero
escrever mais nada

de repente eu sinto
as palavras vazias

apenas compostas
e bem arrumadinhas

não, eu acho que
não tenho nuita coisa

de novo a dizer
e lamento

ter dito tudo
só para os ventos


 

saudade



ando pela casa quieto
a noite já vai
avançada

rói os desvãos
uma presença
que não pode ser

essas janelas
noturnas cansadas
já dormem de ser

e eu olho
além do horizonte
cinzento


 

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

desilusão

 

meu dia
trespassa o sonho
com um punhal

desmascarados
de sua magia
os olhos vertem

gotas de sangue
sobre o branco
da folha papel

 

persuasão



um poema de amor
por que um poema de amor?
dizer sobre o amor
é buscar uma lógica
onde só há sentido

não, não posso persuadir
o amor não é um caminho
de persuasão
é um encontro ao acaso
sem pretensão de ser
aquilo que já é


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

ausência




há uma tristeza
que habita no ar

alguma coisa falta
no que respiro

o dia anoiteceu
vazio de conceitos

e no meu peito
ronca de paixão

uma agonia
 
 


sábado, 6 de dezembro de 2008

As palavras




As palavras
devem ser ditas
para a compreensão
suave
leve
simples

Ofertadas
como água
de uma fonte
cristalina


sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

[Nosso amor poderia]




Nosso amor poderia
desenhar-se
com contornos de drama

Mas eu prefiro
oferecer-te alegria
todos os dias

Para que
te lembres mim
com leveza



quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Fragmento




Em todas as histórias de amor que leio, que vejo, que fico sabendo... eu me coloco ali e te vejo. Por mais duro que seja o drama, ainda seria melhor que o abandono silencioso a que nos condenamos, sem pena, sem luta e sem qualquer esperança.