quarta-feira, 17 de novembro de 2010

resposta ao tempo



Mas será que alguém pode dizer que passou pela vida e realmente amou. Não se sabe. A vida já me pregou tantas surpresas e eis que de repente surge uma nova chama e, pronto... tudo de antes se torna secundário. O greande "amor" de antes se torna pequeno.

Para mim o amor verdadeiro se chama amizade. E ela pode ter ou não afinidades de natureza sexual.

Esse "amor" que chamamos de amor, é paixão, tesão, posse, idolatria, ou seja, produto exacerbado do desejo. Construções líricas do pensamento sobre a vontade de ter, ou manter, a pessoa.

Mas realmente tudo faz parte da vida, tudo é apendizagem sem fim para toda uma eternidade... e ainda assim o eterno será insuficiente.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

[Quando eu ensaiava com minha banda...]




Quando eu ensaiava com minha banda de rock a existência de um grupo em que cada um fazia a sua parte exigia presença. Não havia a possibilidade de estar apenas de corpo presente. Era necessária uma qualidade de presença que fosse atenta e participativa. A atividade em grupo exigia comunicação fluente e para isso a aprendizagem da teoria musical fornecia uma linguagem adequada para a interação. A execução das músicas com sincronicidade de ritmo e variações harmônicas exigia uma presença atenta e consciente de cada um dos participantes. A música não perdoava ausências momentâneas e as punia com o comprometimento da execução. Pensei que um grupo de aprendizagem, um grupo de pesquisa, um grupo de trabalho, deveria ser parecido com um grupo de música. E que a música é essencialmente permeada pela interatividade e com isso se produzia uma espécie de "espírito de grupo" que produz uma criação coletiva. Produz algo novo e gratificante para o grupo.





segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sim, meu bom Álvaro, é cansaço!



É cansaço de cometer o suicídio
diário de ver almas que já
crescem pequenas e perdidas
pelo temor de sair de dentro
de si mesmas.

É cansaço. É cansaço de perceber
com essa maldita (e dolorosa) consciência
como as pessoas negam a si mesmas
e se auto-destroem, todos os dias,
de diferentes formas e sutilezas.

É cansaço. É cansaço de prever
sempre os mesmos cataclismas
pessoais retratados e, lamento,
Álvaro, a gare a que se volta
agora é sempre a mesma.
E só se serve o amor como
dobrada fria.

É cansaço. Sim, é cansaço.


domingo, 7 de novembro de 2010

Interior (Claudio Fagundes)



 
Vir de uma áspera estrada.
Tropeçar numas casas rasas.
Colocar-se diante das fachadas,
deixando o coração bater as asas.

As asas do vento me trouxeram
como a poeira voa no tempo.
Coisas que os tempos souberam
e não sabe o peregrino atento.

Caminhei por entre olhos.
Ouvi murmúrios entredentes.
Palavras que a mente esquece.
mas que o coração pressente.

De longe, indo embora,
ainda olhei uma hora.
Sempre um espectador
de uma aldeia do interior.



imagem



Na cadência dos passos cotidianos,
compassos que representam anos,
um ser real desprende-se de mim
e me assiste ao largo. Sempre assim.

Na massa humana que se embaralha,
sou eu que vou descobrindo atalho
E no momento em que a tensão se espalha
Sinto o olhar dele fixado em mim.

Ao sair da multidão, adentro
por meus umbrais em meu aposento,
e onde o dentro é cada vez mais dentro
ele me aguarda já tomado assento.

E no mais íntimo dos espelhos caseiros
Onde me tranco para meu asseio
Olhos se fitam como companheiros
e atrás deles está meu próprio rosto.


sábado, 6 de novembro de 2010

à Praça São Salvador



As tardes são muito diferentes
nestas velhas paragens
onde vivera momentos de juventude
que se passaram, não tão rápidos,
como o vento que se espalha
e a brisa que sopra agora.

Juntar pensamentos remanescentes.
Montar um velho quebra-cabeça
perdido no tempo.

Quantos pensamentos se passam
como passa o vento?
Velhos cenários
substituídos por tantas diferenças
uma máscara no primeiro plano.
Transmutada pelas fachadas do comércio
e pelas pessoas que passam.

Uma velha praça, sim, velha.
Recuperar um velho sentimento de
de presença.
Recuperar uma velha fronteira
de existência.
Onde será que estamos?
O que contam este velho piso
de pedras portuguesas?
O que contam estes fantasmas
que se foram?

Continuamos vivendo um viver distante.
Distante como era o nosso futuro.
Distante como é o nosso passado.
Por muitas vezes andei
por essas calçadas.
Naquelas eras
nunca sentei nesses bancos.

Carreguei por estas calçadas
todos os sentimentos
de paixões adolescentes.
Algumas das mesmas pessoas passam
com fisionomias quase irreconhecíveis.
Novas pessoas passam também
com fisionomias irreconhecíveis.
Como foi esta transformação?
Que fez o tempo?
Como se sucedeu?
O que ocorreu no meio de
todos aqueles velhos caminhos?

Fui eu que saí para longe,
em corpo e espírito.
Acho difícil retornar no tempo,
pelo menos para entender,
o percurso daquela velha linguagem.

Novas palavras serão necessárias
para devolver a chama.
Novos sentimentos devem urgir
para retomar o fio dos anos.
Mas nada trará de volta
os meus velhos mortos.

Carregam-se velhos pensamentos.
Esparrama-se a memória.
A busca do elo
de vivências interrompidas.
Um velha mensagem
sobreposta
em tons de tijolo
mais novo.

Sobrados que se remontam.
Se reconstroem.
Por aqui
não conheço nada!
Por aqui
eu conheço tudo!

De repente
visionâncias familiares
erodidas pelo tempo.
De repente
velhos comerciantes
que mudaram a fachada.
De repente
velhas fachadas
que mudaram os comerciantes.

Tanta e quanta coisa!
Aqueles velhos casais de namorados
geraram novas fisionomias
que se restauram numa
velha juventude.
Quantos gestos perdidos no tempo!

...

São tardes que se perderam.
São velhos verões medianos
vividos pela esperanças.
São velhos futuros esperados
alguns que não se impuseram.
São transformações urbanas
que se sucederam
nas fachadas dos prédios
e nos homens.

Este velho som de blues
perdido numa vitrola recente.
Talvez uma vontade premente
de presente, levou a desligá-lo.
Este fluxo de realidade
mal amanhecida.

Que o cenário não acompanhou.
Onde estamos, velhos rascunhos?
Velhos esboços de remanescências futuras.
Esta nova marca de cerveja.
Esta velha atmosfera.
Transformações.

Velhas cabeças de comerciantes.
Velhos pensamentos de ganância.
Mesmo sem concordar.
Mesmo sem discordar.
Apenas a reparar transformações.
Desconexos.
Dessintonias.
Anarquia.
Em um mundo que guarda
um velho registro antigo.

Claudio Fagundes
escrito em um banco da praça
1990