sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Interlóquio com a Morte




Você é água e
para onde corre o rio?

Falta o teu encanto
e as tardes já são de novo

amenas
pequenas
apenas

Falta o ar
penetrado ao acaso,
narinas adentro...
gélida manhã.

Num esforço supremo
para respirar o futuro...
perpetuando uma esperança
renovada no clarão que anuncia
o dia.

Mas nada...
falta-me...
Minha solidão não é mais cheia.

Nem a Lua é mais
tão expressiva e mágica.

Falta-me tudo.

Um poema de amor
impresso num papel
dentro de uma poça d'água.
Lama.

Um jardim
tomado pelas macegas ao vento
abandonado ao tempo.

Chuva...

Jardim de cemitério de cidade
abandonada.
Onde até as almas penadas
pediram exoneração de ser.

E eu aguardo do toque descarnado
da Velha Senhora,
no meu ombro,
dizendo da hora.
Qual nada...

Gradis enferrujados...
novelos de mato
levados pelo vento.

Mármores rachados.
Em vão procuro teu nome,
teu retrato,
nas lápides.

Mas aqui não existe mais tempo...
nem presente,
nem futuro,
nem passado.
Um limbo
para quem sofreu
o último
de todos abandonos.
Um lugar
que não é...

para seres
que não são.

Para seres insignificantes
que nem merecem o Inferno.
Seres que nem pecaram...

Nu.

Misturo-me na lama de águas
que não são mais tuas.
Num último desejo, implorado,
de voltar ao pó.
Não há mais nenhuma lágrima
que traçasse um mínimo sinal
de desespero.

Uma carcaça que nem apodrece.
Perpetuada no que não há
nem mais sofrimento.
Nem bom nem ruim.
Nem vida nem morte.
Um resto
de substância química
inócua,
inofensiva para o Universo.
Inconsciente.

Não-ser.





À Praça São Salvador




As tardes são agora muito diferentes
nestas velhas paragens
onde vivera momentos de juventude
que se passaram, não tão rápidos,
como o vento que se espalha
e a brisa que sopra agora.
Juntar pensamentos remanescentes.
Montar um velho quebra-cabeça
perdido no tempo.
Quantos pensamentos se passam
como passa o vento?
Velhos cenários
substituídos por tantas diferenças
uma máscara no primeiro plano.
Transmutada pelas fachadas do comércio
e pelas pessoas que passam.
Uma velha praça, sim, velha.
Recuperar um velho sentimento de
de presença.
Recuperar uma velha fronteira
de existência.
Onde será que estamos?
O que contam este velho piso
de pedras portuguesas?
O que contam estes fantasmas
que se foram?
Continuamos vivendo um viver distante.
Distante como era o nosso futuro.
Distante como é o nosso passado.
Por muitas vezes andei
por essas calçadas.
Naquelas eras
nunca sentei nesses bancos.
Carreguei por estas calçadas
todos os sentimentos
de paixões adolescentes.
Algumas das mesmas pessoas passam
com fisionomias quase irreconhecíveis.
Novas pessoas passam também
com fisionomias irreconhecíveis.
Como foi esta transformação?
Que fez o tempo?
Como se sucedeu?
O que ocorreu no meio de
todos aqueles velhos caminhos?

Fui eu que saí para longe,
em corpo e espírito.
Acho difícil retornar no tempo,
pelo menos para entender,
o percurso daquela velha linguagem.
Novas palavras serão necessárias
para devolver a chama.
Novos sentimentos devem urgir
para retoma o fio dos anos.
Mas nada trará de volta
os meus velhos mortos.
Carregam-se velhos pensamentos.
Esparrama-se a memória.
A busca do elo
de vivências interrompidas.
Um velha mensagem
sobreposta
em tons de tijolo
mais novo.
Sobrados que se remontam.
Se reconstroem.
Por aqui
não conheço nada!
Por aqui
eu conheço tudo!
De repente
visionâncias familiares
erodidas pelo tempo.
De repente
velhos comerciantes
que mudaram a fachada.
De repente
velhas fachadas
que mudaram os comerciantes.
Tanta e quanta coisa!
Aqueles velhos casais de namorados
geraram novas fisionomias
que se restauram numa
velha juventude.
Quantos gestos perdidos no tempo!
...
São tardes que se perderam.
São velhos verões medianos
vividos pela esperanças.
São velhos futuros esperados
alguns que não se impuseram.
São transformações urbanas
que se sucederam
nas fachadas dos prédios
e nos homens.
Este velho som de blues
perdido numa vitrola recente.
Talvez uma vontade premente
de presente, levou a desligá-lo.
Este fluxo de realidade
mal amanhecida.
Que o cenário não acompanhou.
Onde estamos, velhos rascunhos?
Velhos esboços de remanescências futuras.
Esta nova marca de cerveja.
Esta velha atmosfera.
Transformações.

Velhas cabeças de comerciantes.
Velhos pensamentos de ganância.
Mesmo sem concordar.
Mesmo sem discordar.
Apenas a reparar transformações.
Desconexos.
Anarquia.
Em um mundo que guarda
um velho registro antigo.




Nem Sabes




quando a saudade nem é tempo
quando o tempo nem é convenção
quando um minuto é ano
quando a noite não passa
mesmo estando cansado

a procura das horas
batendo em tantas portas
por acaso, sem esperança
caminhando pela casa
enquanto dormes

a madrugada adentra
e é dona do desespero
e todos os sonhos habitam
o mesmo endereço distante
de minha desesperança

a noite urbana
e eu isolado no quarto
os carros lá fora passam
e eu só escuto silêncio
enquanto sonhas

e quando o cansaço
já é tão cansaço
eu arrasto os pés para a cama
e ali desmaio e durmo
e no entanto nem sabes




A Máscara da Verdade




Um dia, como se o tempo brincasse
de repassar a história comigo
e no chão de minha frente espalhasse
reflexos de nudez sem abrigo.

Pedaços de espelhos como lascas,
fragmentos de mim sem véu,
apontam na emoção feito facas
que não agridem, mas me fazem réu.

A consciência do real que desabrota
e o perceber da farsa cada dia,
conduzem ao julgamento que denota
o conviver entre verdade e fantasia.

E a vida ao rejeitar minhas imagens
e fazendo-me a vontade oprimida,
atira as ilusões entre as bobagens.
Tal qual verdade que não vier vestida.






Avelórios




Ela nem pode sentir o que sente,
mas no entanto, não é infeliz.
Se ela chora, nem se lembra.

Apenas junta as letras
no jogo de avelórios
e compõe beleza,
com simplicidade e gesto.

E sorri.

Quando sorri
ela me enche
de ternura
e esperança
de porvir.





quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Quando Longe do Mar



Quando longe do mar,
falta-me ar
e fico incompleto
de ser e estar.

Falta-me sol
sentido na pele,
calor que me toca
e me estoca de amor.

Falta-me som
no meu próprio tom,
no meu ambiente.
Falta-me sal
no beijo na boca.
Falta tempero

Falta-me luz.
Falta-me azul.
Falta-me cor.
E o odor,
o cheiro de amor
não existe no ar...

Música de Manuel Martins.
Letra de Claudio Fagundes


 Claudio Fagundes - Quando Longe do Mar (Mix 2)



Nada




Um dia irei escrever mais
sobre linearidades e complexidades.
E ensinarei a você a lição
direitinho
sobre os homens
e suas parcas manhas.

Um dia, falarei para você
sobre verdades e falsidades
sobre sofismas
sobre hermenêuticas
de buscas de significados
e de sentidos. Hoje não.

Um dia, quando sentir-me disposto,
falarei de pontos de vistas,
de perspectivas,
de objetos vistos
através de cristais.

Um dia, se eu tiver saco,
explicarei que somente as estrelas
podem ser vistas através de
alguma analogia.
Só elas... que estão longe
e são intocáveis.

Um dia, se não me causares náuseas (ainda),
falarei de metafísicas e dos deuses,
dos verdadeiros, dos imaginários,
e daqueles que ainda não inventamos
para explicar a nossa profunda ignorância
de nós mesmos.

Mas hoje, eu estou cansado,
diga-me: qual foi o resultado do futebol?
Passa-me aquela cerveja choca que deixei
pela metade, e deixe-me só
- com meus arrotos, peidos e mazelas
e minha dor que através de ti é intangível -
em minha própria madrugada.





Tudo




Quando eu bebo,
bebo tudo.
O licor desejado e aquele
que ainda couber...

Talvez ainda sobre espaço para beber
para anestesiar a ressaca de ontem.
Penetrar no recinto dos fantasmas
e participar dele.

Saber-se na vertigem
das perdições inconcebíveis.
Saber-se à boca da sarjeta
os restos de lua e luz
confusa, difusa
das percepções da noite.

Sim, o absinto da visita de Netuno
com seus mares
com suas águas
onde tudo pode ser e nada é.

A ingestão do âmbar
o cheiro dos perfumes...

A náusea de saber-se
uma pequena tristeza
na multidão dos seres
na noite de todos os desesperos.


Quando eu como,
como tudo.
Como se buscasse saciar
a fome do mundo.

Como não fosse o amanhã
o construtor do prato feito.
Como se fosse necessário
criar a reserva para
as sete vacas do porvir.


Quando eu amo,
amo tudo.
Eu te quero,
e quero toda.

Quero beber e comer de ti
pois é essa a verdadeira sede
e fome a ser saciada.

Pois é esse o verdadeiro desejo
e não é só de prazer.
É a real necessidade de ter tudo
da mulher que amo.

E saber-se inteiramente contido
em cada gota de esperma,
saliva, sangue ou suor
por ti e por mim derramada
imolada, ofertada...
no perfeito ato de entrega.

Sem meias porções,
sem meias sensações
sem mascarar as ilusões
e sim esculpir na carne,

construir nas porosidades
de todos interstícios
a mistura de humores
o miscigenar de espíritos.

Assim, cada vez que eu te amar,
te amarei por inteiro
e você inteira.

E na explosão
meu gozo será com o teu
para dar todo impulso
e te encontrar.
flor escancarada,
pronta para germinar
e criar dentro de ti.

Quererei ser teu
dentro de ti. Vivo.
Vivo, carne, alma.
Ser.
Todo.
Teu.